Meu interesse em conhecer Melbourne surgiu a partir do
documentário A Escala Humana (“The Human Scale”) que acompanha os projetos urbanísticos
do arquiteto dinamarquês Jan Gehl. Ele defende que os centros urbanos devem
voltar a ser projetados para as pessoas uma vez que, nos últimos 50 anos, os mesmos
tem sido desenhados em torno do automóvel.
Um dos estudos apresentados que mais chamou a minha atenção foi a sua
intervenção sobre o centro de Melbourne, na Australia.
Trailer do documentario "The Human Scale" – A Escala Humana
Fundada em 1835, Melbourne é a segunda maior cidade
Australiana. Seu planejamento
urbanístico seguiu o mesmo modelo de Sydney, que por sua vez é profundamente
influenciado por Londres e Los Angeles. Trata-se
de um crescimento urbano essencialmente horizontal, desdobrando-se em subúrbios
cada vez mais afastados do centro. A
vida no subúrbio tornou-se referência de um estilo de vida saudável,
confortável e seguro porém, nos últimos anos, esta tendência vem se mostrando
insustentável. Essas áreas afastadas do
centro são pouco atendidas pela rede de transporte público e com isso muitos
acabam recorrendo ao automóvel individual – o que além de aumentar o trânsito drasticamente
também eleva os níveis de poluição. No caso de Melbourne, esse êxodo para os
subúrbios também acarretou em um esvaziamento do centro; a região tornava-se
deserta depois do horário comercial. O
governo então contratou o escritório de Gehl com o intuito de “trazer as
pessoas de volta ao centro”.
Gehl argumenta que para isso, o Centro precisaria tornar-se
mais convidativo às pessoas – Os seus espaços deveriam ser concebidos para os
cidadãos.
Após um período de observação e estudo sobre o local, a
equipe do ‘Gehl Architects’ chegou a uma interessante conclusão. Eles
detectaram a existência becos subutilizados entre as edificações. Esses becos ficavam
entre as fachadas dos fundos ou laterais dos edifícios. Eram fachadas com pouco ou nenhum tratamento,
por onde saiam aparelhos de ar condicionados e demais dutos de instalações. O
nível térreo era ocupado por ‘containers’ de lixo. Apesar de serem espaços escuros e mal
ventilados, esses becos possuíam a dimensão ideal para a circulação de pessoas.
Foi criada então uma rede de percursos por todo o bairro que atravessa ruas e
quadras, ligando os becos entre si. Com
a revitalização desses ambientes, os pavimentos térreos dos edifícios
circundantes foram gradualmente se transformando para adequar-se a esse novo
fluxo de pessoas pelo local. Lojas,
restaurantes e demais serviços começaram a margear esses caminhos, trazendo
vida ao passeio.
Esse projeto, intitulado
“Places for People” foi introduzido na cidade em 1994 e voltou a ser atualizado
dez anos depois. Eu visitei a cidade em
Janeiro de 2014, 20 anos após a intervenção original. O que pude verificar é uma região
completamente assimilada pela cidade e por sua população.
As vias seguem paralelamente umas às outras, atravessam
quadras inteiras e por vezes se bifurcam em galerias diferentes. Suas transições são tão integradas que por
vezes saímos de um ambiente interno para um externo sem perceber. Os estabelecimentos comerciais são pequenos e
voltados para a rua, o que faz com que grande parte do
movimento de compra, consumo e exposição aconteça na própria rua. Além de comércio, encontramos diversas
manifestações artísticas como apresentação de músicos, painéis de graffiti e projeções de
mídia em empenas cegas após o anoitecer.
Cafés e Restaurantes ao ar livre |
Pórtico de entrada - transição entre o dentro e fora |
Essa variedade de ambientes e atividades que verificamos aqui potencializa o
encontro e o fluxo de pessoas. A rua
adquire um caráter dinâmico e cheio de vida.
Melbourne é um exemplo de como uma cidade pode ser readaptada para melhor se adequar à escala das pessoas. Encontramos aqui belos edifícios mas, ao meu ver, a grande beleza de Melbourne está na altura dos olhos – no nível térreo. Na
vida que se faz presente nos seus restaurantes descolados, nas vitrines das
lojas, pelas intervenções artísticas e
principalmente pelas pessoas. Enquanto em Sydney tudo é espetacular e
deslumbrante, o charme discreto de Melbourne está no percorrer de suas ruas.
O Centro tornou-se um lugar de passeio e turismo nos fins de semana |
Sistema de Bicicletas Coletivas - Melbourne adota a escala das pessoas |
Nenhum comentário:
Postar um comentário