Obra de Chiharu Shiota no Pavilhão Japonês |
Sob a curadoria do nigeriano Okwui Enwezor, o tema da
bienal de arte de Veneza deste ano foi “All the World’s Futures”. Durante a minha passagem relâmpago pela
cidade, eu não consegui ver toda a bienal, que além de incluir a mostra no
‘arsenale’ e os pavilhões de mais 29 países no ‘giardino’, ainda conta com uma
série de exposições paralelas espalhadas pela cidade. Para visitar a bienal com
calma, eu diria que pelo menos dois dias seria o ideal. Nesta minha visita, priorizei a visita aos
pavilhões do giardino. Faço aqui uma
seleção dos 5 melhores pavilhões deste ano e uma breve descrição de cada um.
Pavilhão Japonês
O pavilhão do Japão trouxe uma intervenção da artista
Chiharu Shiota, japonêsa radicada em Berlim.
Sob o nome “The Key in the Hand” (A chave na mão), a instalação era
composta por três elementos distintos: a chave, a canoa e a linha vermelha. A
chave e a canoa simbolizam a memória: a chave porque ela liga as pessoas umas às
outras e a canoa porque ela liga as pessoas aos lugares. As linhas vermelhas surgem como fio conector,
ligando estes dois elementos entre si. O
desenho formado pelas linhas vermelhas gera um corredor emoldurado, uma espécie
de túnel. As chaves entrelaçadas ao longo das linhas foram coletadas pelo artista
em viagens por diferentes países. Em sua
essência, a obra fala sobre tempo e memória.
Uma instalação que nos envelopa por completo. O resultado é sensível e
contundente.
Chaves coletadas pelo mundo |
Túneis criados pela rede de linhas vermelhas |
Pavilhão Escandinavo (Noruega, Finlandia e Suécia)
Intervenção de Camille Norment assume a forma de molduras, que se assemelham às esquadrias do pavilhão. |
Belíssimo exemplar de diálogo entre arte e a arquitetura. O que averiguamos na intervenção de Camille
Norment para o pavilhão da escandinavia é praticamente uma simbiose entre a
arte e a arquitetura. A artista criou
molduras com dimensões semelhantes às esquadrias do edifício. Ela então dispôs
essas molduras próximas das fachadas envidraçadas, porém inclinadas, amontoadas
umas sobre as outras como se estivessem jogadas. Entre elas, verificamos ainda pedaços de vidro
estilhaçados pelo chão. Em alguns casos,
as arestas destas molduras jogadas se alinham com a estrutura das janelas do
pavilhão. Adquirimos então a impressão de que estas molduras, que foram ali
colocadas, surgem do próprio edifício. Essa disposição nos dá a impressão de que
elas estiveram lá o tempo todo, que realmente fazem parte do conjunto. Com
isso, a nossa percepção do edifício e de seus limites é modificada. Ao mesmo tempo em que temos uma sensação de revolta
ao nos depararmos com essas estruturas quebradas, a semelhança das molduras
com o edifício transmite uma sensação de harmonia no conjunto. A obra gera uma tensão e uma harmonia
simultaneamente.
Molduras se assemelham às esquadrias do prédio, há uma harmonia entre a inserção e o existente. |
Ao adentrarmos mais no interior do pavilhão, nos afastamos
dessas molduras anguladas e chegamos a um espaço vazio, sem barreiras físicas,
mas com alto-falantes gigantescos que se projetam do teto. Aqui, a ambiência não é mais criada por
barreiras ou elementos físicos, e passa a ser criada apenas pelo som. Ultrapassando as primeiras barreiras,
adentramos um espaço de contemplação.
Som cria a ambiência no interior do pavilhão |
Pavilhão Francês
Pavilhão Holandês
O pavilhão holandês seguiu uma tendência que eu
particularmente gosto muito e considero inclusive muito pertinente ao momento
atual. Como falei no post anterior, a
Expo Universal de Milão deste ano trouxe o tema de alimentação. Em sintonia com essa discussão, o artista Herman
de Vries, em sua mostra intitulada “to be all ways to be”, reúne obras que
apresentam materiais e alimentos em sua essência. Entre elas encontramos uma série de quadros
com pigmentos de diferentes países, uma série de paisagens constituídas a
partir de ramos de trigos, uma composição de botões de rosa seca expostos no
chão e uma coleção de foices, simbolizando o movimento, manipulação humana da
terra. O interessante desta mostra é que
ela traz ao espaço expositivo elementos muito ligados a terra, reforçando essa crescente
consciência de contato e retorno a natureza, a importância de uma postura cada
vez mais sustentável. A obra de De
Vries ressalta a união e, ao mesmo tempo, a diversidade entre estes
elementos. As nações se unem em suas
semelhanças, porém também em suas diferenças, suas particularidades e
complementariedades.
Composição com botões de rosa seca |
Quadros com pigmentos de diferentes países |
Paisagens constituídas a partir de ramos de trigos |
Pavilhão Romênia
Em uma expo de soluções high tech e obras que exploram a
espacialidade, uma série de
pinturas parece algo do passado, ‘out-of-date’. De fato, a pintura já foi muito explorada ao longo da história da arte e, por ser
uma linguagem tradicionalmente estabelecida, é mais difícil de inovar nela. Não
é de se surpreender, portanto, que as pinturas estão se ausentando das mostras
de arte contemporânea, ou pelo menos, já não ocupam o papel central. Por isso
mesmo, a atitude do pavilhão da Romênia consegue ser ao mesmo tempo corajosa e despretensiosa.
O pavilhão reúne 20 quadros do artista Adrian Ghenie, que olha os desenhos e os estudos de Charles Darwin sobre um prisma considerando a história do século 20. O resultado é uma coleção bela e contundente, retratando figuras históricas marcantes (como Hitler, Lenin, van gogh...), protagonistas e anti-heróis num contexto abstrato e distorcido.
Bônus:
Pavilhão Finlandês
Construído em 1956, o pavilhão finlandês foi idealizado como
uma estrutura temporária só para a exposição daquele ano. O pavilhão permanece desde então. Projetado
por Alvar Aalto, o pavilhão é composto por uma estrutura de madeira e foi
inteiramente confeccionado na Finlândia.
Pavilhão de Israel
Tsibi Geva faz uma intervenção que explora um tema
recorrente de sua obra – a ideia do lar, do corpo e do cotidiano. Sob o tema ‘arqueologia do presente’, o
artista utiliza objetos do cotidiano e faz uma intervenção que vai além dos
limites físicos do pavilhão israelense.
Ele cobriu as fachadas com pneus de borracha, e no interior cobriu as
paredes com elementos que vão desde eletro-domésticos e esquadrias a caixas de
papelão. Além dessa composição, há
também pinturas.
Pavilhão Húngaro
A mostra “Sustainable Identities” de Szilárd Cseke traz uma
instalação que ocupa todo o teto do pavilhão.
O visitante passa por baixo de uma estrutura de tubos de PVC com esferas
internas que ficam se locomovendo a partir de ventiladores. O movimento dessas bolas representa a
transitoriedade das coisas e o movimento das pessoas. Um assunto pertinente sobretudo nesse momento
de discussão política acerca da imigração.
A Bienal de Arte de Veneza é uma excelente oportunidade para
se familiarizar com obras de artistas de outros países que não conhecemos, muitos
dos quais que já obtiveram algum reconhecimento nos seus países, mas nem sempre
adquiriram status de reconhecimento internacional. É interessante ver o que está sendo produzido
e discutido no cenário artístico e cultural de outros países. A mostra segue em
Veneza até o dia 22 de Novembro.
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