Ao longo da faculdade de arquitetura (e da carreira
profissional também), elegemos os nossos ‘heróis’- arquitetos cujas obras nos
inspiram e com os quais nos identificamos.
Eu já tive alguns heróis nesta minha trajetória (Rem Koolhaas, Peter
Zumthor, Louis Kahn...) mas destes, o arquiteto Richard Meier foi o primeiro a
chamar a minha atenção. Seus projetos
residenciais influenciaram fortemente as minhas primeiras maquetes, com suas
superfícies brancas, traços retos, formas puras e grandes transparências.
Visitar o Getty Center me trouxe lembranças deste meu
primeiro contato com a arquitetura. O Getty, contudo, difere bastante destes
projetos residenciais, sobretudo por conta da escala. O complexo cultural, com uma
área de aproximadamente 10,000m², abriga um detalhado programa que inclui um
centro de pesquisas com biblioteca, a sede administrativa do instituto, salas
expositivas contendo o grande acervo do J. Paul Getty trust, espaços de exposições
temporárias, além de mais 12,000m² de jardins. Há críticos que até avaliam a escala
gigantesca do complexo como um gesto de ‘hubris’, um ato extrema arrogância, típica da produção arquitetônica dos anos 90.
IMPLANTAÇÃO E ACESSO
O Getty está situado no topo de um morro (Santa Monica
Mountains), um gesto que por si só já eleva a importância da arte na paisagem. Esta implantação remete aos grandes centros
antigos, que também possuíam uma localização de destaque e predominância na
cidade, como é o caso da Acrópole de Atenas, na Grécia. O complexo desfruta,
portanto, de uma ampla visibilidade sobre o horizonte infinito de Los Angeles.
Sendo Los Angeles a cidade do automóvel, o acesso é pensado
a partir do carro. O museu fica afastado do Centro, no norte da cidade. Para chegar lá, pega-se uma avenida expressa
e, ao adentrar o complexo, somos logo direcionados ao estacionamento. Dalí,
pegamos o elevador para a plataforma do bonde, que então nos levará ao
museu. Uma clara separação da cidade e o
início de um movimento de ascensão para a arte.
MORFOLOGIA E ESPACIALIDADE
Praça central, em torno da qual estão agrupados os blocos expositivos |
O museu é distribuído em blocos independentes agrupados ao
redor de uma praça. É possível visitar a
exposição em ordem sequencial, passando de um bloco expositivo ao outro, ou então
escolher a sua própria ordem de visitação a partir de entradas que dão diretamente
para a praça central. Esse gesto é próprio do movimento moderno, que acaba com
a hierarquia de uma única entrada e estabelece um fluxo mais democrático
através de múltiplos acessos.
Dentro da influência do modernismo, verificamos aqui a
linguagem do purismo geométrico. Os blocos
de exposição são cubos de arestas fortes e claramente demarcadas. Estes por vezes são parcialmente escavados, o
que traz uma alternância entre o cheio e o vazio. Ou seja, apesar de diferirem entre si em
termos de morfologia, os cubos não perdem as semelhanças uns com os outros
graças aos contornos bem definidos e a materialidade em comum.
Cubos contendo espaços expositivos, revestidos em mármore travertino. Volumes parcialmente escavados propocionam alternância entre cheio e vazio |
Bloco expositivo sobre o vazio do pilotis |
O círculo também se faz presente na composição, como vemos
no bloco principal de acesso. Ao longo dos demais blocos, também verificamos
segmentos curvos que rompem com a predominância da linha reta.
Outra premissa do modernismo aqui empregada, e muito
característica da obra de Meier, é a existência de grandes aberturas para a entrada de luz
natural; uma característica emblemática, que está presente desde as suas
pequenas células residenciais aos grandes projetos. Além da iluminação, as janelas ao longo dos
corredores permitem olhar para o próprio edifício. Ocorre então um movimento de autocontemplação,
um momento de admiração da obra.
Do interior do edifício, podemos admirar o mesmo |
Os blocos são revestidos em mármore travertino. No
exterior, as superfícies claras das fachadas refletem a luz de forma quase
violenta. Chega a ser difícil andar sem
óculos escuros. No interior, a textura da pedra sob a luz traz uma
dramaticidade que novamente remete às antigas construções do império Romano. De
fato, o mármore aqui empregado é provindo de Bagni di Tivoli, na Itália. O processo de extração e recorte das peças
era tão artesanal que o arquiteto enviou uma equipe para trabalhar na pedreira
durante um ano para garantir um acabamento de qualidade.
No interior - A dramaticidade da textura do mármore travertino sob a luz |
Os espaços expositivos são o extremo oposto do invólucro, o
que de fato chegou a ser um problema durante a concepção do projeto. O projeto de interiores não foi assinado por
Meier, mas pelo arquiteto Thierry Despont. Ao contrário de Meier, cuja
composição utiliza referências do moderno combinadas ao clássico, Despont busca
inspiração na arquitetura francesa do século XVIII. Como a maior parte das
obras do acervo varia do renascimento ao impressionismo, a decoração se utiliza
de cores fortes e ornamentos que entram em harmonia com as obras de arte. O
acervo conta também com móveis e objetos da aristocracia francesa, então há
salas que realmente recriam o ambiente da época. Chega a ser estranho você
adentrar um prédio modernista e encontrar um interior no estilo rococó.
Projeto de interiores assinado por Thierry Despont |
CONFLITOS NO PROCESSO
Não são poucos os casos de projetos que resultaram em conflitos entre o arquiteto e o cliente.
O Getty Center é um exemplo emblemático disso. Em seu livro, o crítico
Martin Feller conta brevemente como foi a saga da construção do museu e o
impacto que este projeto teve na carreira do arquiteto. Um processo árduo que transformou o sonho de
qualquer arquiteto em uma grande dor de cabeça. Foram tantos os desgostos e
desentendimentos que posteriormente à inauguração, Meier escreveu um
livro intitulado “Building the Getty”, no qual ele relatou o processo pelo seu
ponto de vista e narrou as suas desavenças e frustrações com o Instituto.
Outro motivo de briga: Os Jardins do Getty também não foram projetados por Meier, mas pelo artista Robert Irwin. |
Feller analisa que, depois da experiência do Getty, talvez
pelas suas frustrações ao longo do processo, o arquiteto optou por seguir um
caminho mais seguro nos seus projetos. Menos ousado, Meier desenvolveu um
estilo que oferecia uma previsibilidade e estabilidade, por vezes até mesmo desejada pelos
seus clientes e investidores. São
projetos menos inovadores que se apoiam em soluções já exploradas e acabam produzindo
um efeito ‘já visto’. Richard Meier, um
arquiteto tão promissor na sua juventude (foi o arquiteto mais jovem a ganhar o
prêmio pritzker com apenas 49 anos), tornou-se uma opção mais conservadora entre
os seus contemporâneos, como Renzo Piano. Com o tempo, Meier deixou de ser a referência absoluta em arquitetura de
museus, e o papel foi assumido por ninguém menos do que o próprio Piano.
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