17 de agosto de 2014

FLIP 2014(2) | FEIRA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY

Mesa 7 | A mesa com Michael Pollan

O Jornalista americano Michael Pollan Fonte: paraty.com.br/flip


Michael Pollan é um jornalista que nos últimos anos vem realizando um estudo sobre a saúde, alimentação e a indústria alimentícia nos Estados Unidos.  Seus livros “O Dilema do Omnívoro” e “Cozinhar”, que acaba de ser lançado em português no Brasil, estiveram na lista dos livros mais vendidos nos EUA segundo o The New York Times.  

Em um primeiro momento, ele se perguntou: “de onde vem a comida?” Nós perdemos o vínculo com a origem do processo e desconhecemos o desenvolvimento da cadeia alimentar. Essa sua curiosidade o levou ao início de tudo, conhecendo as fazendas e plantações.  Ele nos contou sobre as paisagens moldadas pela indústria alimentícia e de como o interior dos EUA se assemelha a uma grande fabrica.  As paisagens rurais estão sendo moldadas de acordo com a lógica fabril, dividindo os solos e as plantações em setores que não conversam.

Para Pollan, o ato de cozinhar a própria comida é de extrema importância.  Esse ato nos aproxima da natureza, ajuda-nos a conhecer melhor os seus frutos, além de nos dar um maior controle sobre a nossa saúde e bem-estar. Isso sem contar que grande parte da socialização e da educação cívica ocorre em torno da mesa. Para ele, cozinhar chega a ser um ato político, pois assim as pessoas retomam o poder sobre a sua dieta, sobre o preparo e sobre o que elas vão comer.  Há anos a indústria vem preparando a nossa comida - seja nos fast foods, nas comidas semi prontas ou nos congelados.  O que ele chama de ‘comida processada’ ou ‘embalada’ é muito comum e recorrente.

Seus livros propõem uma nova maneira de pensar as nossas refeições, não a partir de calorias, vitaminas e moléculas mas a partir da comida em si.  Para mais informações sobre a sua pesquisa, vejam aqui uma excelente reportagem sobre ele na Folha de São Paulo:

http://www1.folha.uol.com.br/serafina/2014/07/1490666-voltar-a-cozinha-e-um-ato-politico-diz-jornalista-michael-pollan-atracao-da-flip.shtml


Mesa 13 – A verdadeira história do Paraíso, com Etgar Keret e Juan Violloro. 

Os autores Etgar Keret e Juan Villoro Fonte: oglobo.globo.com


O nome dessa mesa vem de um texto do Millôr Fernandes, autor homenageado nesta edição da FLIP, um texto que foi censurado e resultou na sua saída na época da revista "O Cruzeiro".  A mesa trouxe os autores Etgar Keret, de Israel, e o mexicano Juan Villoro.  Na conversa, uma visão sobre o paraíso em contraste ao horror da guerra - os paraísos que decepcionam. Face às questões complicadas do México e de Israel, qual o papel da literatura nestes lugares? Os autores consideram que a literatura mantém o humor nesse momento de tristeza. Ela traz também um sentido e uma reflexão em contextos de violência e falta de esperança.

No livro de Juan Villoro “Arrecife” ele explora os fascínios dos estrangeiros pelo turismo exótico e por tudo que os aproxima do perigo.  Menciona as visitas turísticas à fronteira do México com os EUA – um lugar de muito perigo que exerce um fascínio sobre as pessoas. Já o Israelense Edgar Keret diz que o humor da literatura serve como uma forma de protesto e é uma maneira de manter a sua dignidade numa realidade de violência. Para ele, a literatura é o único lugar onde tudo é possível – não há regras.  Essa atitude se torna clara em seus contos surrealistas de “De repente uma batida na porta”, que conta com situações absurdas que lembram a ironia de Woody Allen e o aprisionamento de Kafka.

Mesa 17 – Ouvir Estrelas com Marcelo Gleiser e Paulo Varela.

Marcelo Gleiser de pé e Paulo Varela a direita Fonte: revistadacultura.com.br


Essa mesa leva o seu nome de um soneto de Olavo Bilac:

Ouvir Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizes, quando não estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas". 

Olavo Bilac (Poesias, Via-Láctea, 1888)

A conversa sobre astronomia contou com a presença de Marcelo Gleiser, astrônomo e professor em Dartmouth nos EUA, e do geógrafo Paulo Varela.  Paulo discursou sobre a atual situação da astronomia no Brasil enquanto Gleiser elaborou sobre algumas das mais recentes descobertas no ramo da física quântica. 

A mesa contou com reflexões existencialistas sobre a condição e o papel do ser humano no universo e sobre o nosso conhecimento sobre o mesmo. Em seu novo livro, “A ilha do conhecimento”, Marcelo Gleiser compara o nosso conhecimento a uma ilha. Uma ilha que ganha terra e cresce a medida que adquirimos novos saberes porém está sempre cercada de um oceano do desconhecido.  Novos instrumentos tais como o microscópio possibilitam novas descobertas mas jamais conseguiremos cobrir todo o oceano de desconhecimento.  Nossa visão da realidade será sempre míope – com novas descobertas, surgem novas perguntas. Utilizando a metáfora de Platão, Gleiser diz que vivemos perpetuamente numa caverna do conhecimento. 

Ao ser questionado sobre a possibilidade de vida em outros planetas, Gleiser ressalta que é preciso discernir ‘que tipo de vida’ estamos falando. Vida simples certamente existe (micro organismos, etc.) mas a vida complexa, tal como a do ser humano, é algo extremamente raro.  Além de raro, se de fato existir outra forma de vida inteligente, até mesmo dentro da nossa galáxia, as distâncias que nos separam são tão gigantescas que seriam necessários milhares de anos até que ocorresse um possível encontro. Em outras palavras, o ser humano pode não ser a única espécie inteligente existente, mas nós estamos sozinhos e isolados dentro do nosso sistema solar.  Nós, seres humanos, somos raridades e isso nos dá uma imensa responsabilidade de preservação de vida e de estudo sobre o universo.

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Com isso, encerro meu relato sobre a FLIP 2014. Um evento com mesas interessantes que, apesar de não serem muito longas, chegam a se aprofundar nos seus temas e nos trazem visões diferentes sobre variados assuntos. Já estou ansiosa pela edição de 2015. 



11 de agosto de 2014

FLIP 2014(1) | FEIRA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY

Tenda dos Autores da FLIP 2014


Post especial sobre a Feira Literária Internacional de Paraty, a FLIP, realizada anualmente na cidade entre os meses de Julho e Agosto.  No texto, alguns dos melhores momentos das mesas que tive a oportunidade de assistir.

Mesa  2 | Os Possessos, com Elif Batuman e Vladimir Sórokin, com mediação de Bruno Gomide.

Foto com Elif Batuman e Vladimir Sórokin. Foto: Walter Craveiro. Fonte: fotospublicas.com


A primeira mesa trouxe uma discussão sobre a literatura russa entre Vladimir Sórokin, um dos maiores autores russos da atualidade e Elif Batuman, norte americana de origem Turca que estudou literatura russa em Harvard e Stanford e hoje dá aula na mesma.  Entre anedotas e opiniões próprias, ambos falaram sobre a obra de Dostoiévski, sobre a produção literária no período soviético e sobre o caráter cômico e trágico da literatura russa – repleta de humor e tristeza ao mesmo tempo. Sórokin diz que a vida na Rússia é difícil e as duas coisas que os ajudam a superar são: o bom humor e a vodka. 

Sobre o ato da escrita, ambos refletem sobre a relação do autor com o contexto em que vive.  Sórokin considera que o autor que não vive o seu contexto, aquele que se fecha em seu próprio mundo e só escreve, torna-se um monumento a si mesmo.  Considera válida a colocação de um filósofo que dizia que um escritor morre a partir do momento em que desenvolve um estilo próprio.  Me pergunto até que ponto essa colocação não é válida para as outras artes, até mesmo para a arquitetura. 

Para concluir, ao serem feitas perguntas relacionadas à política, sobretudo em relação à atual crise com a Ucrânia, Sórokin encerra elegantemente a conversa com a seguinte colocação: “Putin vem e vai. O romance fica”.

Mesa 3 | Fabulação e Mistério com Eleanor Cotton e Joel Dicker, com mediação de José Luiz Passos.

Mesa 3: Eleanor Cotton e Joel Dicker. Foto: Walter Craveiro. Fonte: fotospublicas.com


Eleanor Cotton e Joel Dicker são autores extremamente jovens e que em pouco tempo já obtiveram reconhecimento internacional. Eleanor foi a mais jovem autora a ganhar o ‘Man Booker Prize’ com o seu livro “Os Luminares” enquanto Joel Dicker ganhou 2 grandes prêmios na França pelo seu suspense “A verdade sobre o caso Harry Quebert”.  Entre os temas abordados na conversa, os autores falaram sobre a importância do leitor para o livro – o autor faz 50% do trabalho através da escrita mas depende fundamentalmente do olhar do leitor.  Por isso, Joel Dicker diz que gosta de trabalhar com clichês pois acredita que isso estimula o 50% de retorno / participação de seus leitores.

Em uma reflexão interessante sobre passados e realidade, os autores falaram ainda sobre a temporalidade dos romances e a dificuldade de escrever no passado. Enquanto o livro de Cotton se situa na idade média na Nova Zelândia, o livro de Joel Dicker se passa nos anos 80.  De certa forma, a liberdade de Joel torna-se ainda mais restrita devido à proximidade da data.  Fatos mais próximos são mais memoráveis e qualquer equívoco ou imprecisão sobressai.  Um passado distante, no entanto, deixa muitas manchas de desconhecido, o que dá ao autor uma maior margem para a imaginação.

Mesa 4 | Paraty, Veneza no Atlântico Sul. Uma conversa entre Paulo Mendes da Rocha e Francesco Dal Co, com mediação de Guilherme Wisnik

Esta era a mesa que eu mais aguardava.  Tratava-se de um encontro entre um dos maiores arquitetos brasileiros, o ganhador do premio Pritzker em 2006 – Paulo Mendes da Rocha – e o crítico Italiano e editor da revista Casabella – Francesco Dal Co.

Foto: Paulo Mendes da Rocha e Francesco Dal Co. Fonte: noticias.bol.uol.com.br


Paulo iniciou a conversa falando sobre o processo de formação de cidade; como essas são consequência do desejo humano - um desejo sempre insatisfeito.  Este desejo de conquista exige uma intervenção contínua sobre a natureza.  Para que esta se torne habitável, ela deve ser adaptada às necessidades humanas.  Neste contexto de domínio e imposição sobre a natureza, Paraty e Veneza surgem como duas cidades improváveis.  

Francesco Dal Co, que mora em Veneza, inicia a sua participação na conversa com uma frase do autor italiano Petrarca :“Venezia è l’impossibile nato sulla impossibilitá” (Tradução: Veneza é o impossível que nasce da impossibilidade). Situadas próximas da água, ambas as cidades são invadidas pela mesma.  As ruas de Paraty são tomadas pelas águas quando a maré sobe e Veneza é largamente conhecida pelos seus canais labirínticos.  Ambas as cidades nasceram e se fortaleceram por sua forte relação com a navegação. Veneza era um ponto importante de trocas comerciais entre o ocidente e o oriente até o final do século 15. Já Paraty oferecia uma baía de águas calmas onde os navios podiam atracar para levar o ouro obtido em Minas Gerais, durante o ciclo do ouro no Brasil no século 18.

Tanto Veneza quanto Paraty perderam nos últimos séculos seus papeis originais de ponto de escambo e pólo da navegação embora permaneçam como joias do patrimônio mundial.  No caso de Veneza, sua reputação é tão gigantesca que a cidade recebe anualmente 23 milhões de habitantes. Dal Co questiona esse movimento de turismo em massa, expondo um conflito da cidade entre a sua preservação e os efeitos nocivos desse movimento efêmero e constante, que descaracteriza a forma a cidade.

Nessa conversa sobre conflitos, Mendes da Rocha e Dal Co afirmam que a cidade, de modo geral, é o âmbito dos conflitos.  Todas as cidades são feitas de conflitos e é preciso aprender a conviver com eles. Para Dal Co, a própria arquitetura é resultante de conflitos – o Museu da Escultura Brasileira em São Paulo, projeto de Paulo Mendes, por exemplo, traz um belíssimo conflito entre a estrutura e a força da gravidade. Ambas as cidades espelham esse conflito em sua relação com a natureza.  Apesar de se assentarem sobre solos moles e apesar da invasão da água – em Veneza, por exemplo, estão sendo executados grandes projetos de contenção para a preservação da cidade – as duas cidades permanecem.  De acordo com Paulo Mendes, a natureza é uma beleza a ser contemplada através do emolduramento da janela, e segue como um desafio a ser confrontado constantemente na formação de uma cidade.