30 de agosto de 2011

La Maison Carré, Alvar Aalto | Maison La Roche, Corbusier



Visitei recentemente dois projetos diferentes para um mesmo programa: uma residência unifamiliar com galeria de exposição para um colecionador de arte.  A primeira foi a Maison Louis Carré, do finlandês Alvar Aalto, que fica em Bazoches-sur-Guyonne, nos arredores de Paris, e a segunda foi a Maison La Roche, de Le Corbusier, que fica no 16º arrondissement parisiense.  Embora lidem com a mesma temática, podemos dizer que trabalham a partir de partidos e contextos opostos.
A Maison Louis Carré é o único projeto de Aalto na França.  Aparentemente, o colecionador Louis Carré era um amigo de Corbusier.  Ele chegou até a morar 7 anos em um dos seus prédios.  Depois disso disse: “chega! Concreto demais!” (Trop de betón!!).  Recorreu então a Aalto para fazer a sua casa em uma região rural a aproximadamente uma hora de Paris.

A casa está pousada sobre um terreno inclinado.  Seus espaços estão distribuídos horizontalmente, adequando-se ao declive natural do solo.  A inclinação da cobertura estabelece uma semelhança com o perfil do terreno num gesto muito elegante. Os traços geométricos do projeto adquirem uma maior suavidade e leveza graças a essa estreita relação com o contexto. 
O tijolo em relevo na fachada é proposital.  Revela a construção e o processo, além de atribuir uma textura à parede.
Um dos pedidos de Louis Carré foi que a casa deveria ser pequena de fora mas grande por dentro.  Temos uma noção clara disso no momento em que adentramos o hall.  Sob a cobertura plana, Aalto criou uma sala com teto curvado. A sensação de amplitude é enaltecida pelas entradas de luz. Com isso, o adentrar da casa torna-se uma espécie de ritual. Neste gesto, há uma relação direta com alguns dos seus projetos de igrejas.  A própria luminária do hall, por exemplo, havia sido desenhada por ele antes para a igreja “three Crosses” em Lahti, na Finlândia.
Visto que a fachada norte não recebe luz alguma durante o dia, a janela da sala de jantar rompe o alinhamento dessa fachada, avançando rumo ao noroeste.  Assim, ela captura a luz do entardecer, rebatendo-a na parede e redirecionando-a para a sala. Um gesto sutil que demonstra como o pensamento de Aalto está presente em todos os pormenores.

Já a Maison La Roche, de Le Corbusier, inserida na trama de urbana de Paris, parece mais um refúgio à cidade, negando o seu contexto. Um projeto interiorizado, cujos espaços se organizam todos em torno do hall central.






















A planta baixa é organizada em de dois núcleos distintos - um com os espaços de moradia e o outro com os espaços de trabalho, respeitando a filosofia de Corbusier de setorização por funções. Ambos  os núcleos são acessados pelo nível de térreo embora possuam uma ligação direta um com o outro no primeiro andar, através de uma circulação semiaberta.  O segundo andar já oferece um isolamento para ambos os segmentos.  Para passar de um para o outro, é necessário descer novamente as escadas e cruzar pela passarela que atravessa o hall central.
Mas apesar dessa separação, há uma constante relação visual entre os dois lados, preservada em todos os níveis graças ao vazio do hall.




Circulação semi aberta pelo hall central que liga o núcleo de moradia ao núcleo de trabalho
Se formos comparar a Maison La Roche(1923) à Villa Savoye(1928-31), diríamos que a Villa Savoye é completamente didática.  Nela, os 5 princípios de Le Corbusier - Pilotis, Janela em fita, terraço jardim, planta livre e a fachada livre - estão mais claros e eloquentes.  Na Maison La Roche, estes princípios, ainda em formação, são menos óbvios.  Com isso, o percurso e o olhar do visitante são mais livres, menos enquadrados.  Os direcionamentos não vão além de sugestões, sobretudo através das entradas de luz.  Em especial, achei o jogo de luz simplesmente sublime.

A Villa Savoye também já foi assunto do blog no texto: Villa Savoye









































































6 de agosto de 2011

DOMINIQUE PERRAULT | BIBLIOTECA FRANÇOIS MITTERRAND



Neste projeto, o arquiteto francês Dominique Perrault inverteu a tipologia tradicional da biblioteca.  Ele expôs o acervo ao sol e colocou as salas de leitura protegidas no interior do edifício.  No seio desse conjunto, construiu uma gigantesca floresta artificial à qual os leitores não tem acesso, a não ser visualmente.  O acesso à biblioteca é feito através de uma grande praça elevada.  Para chegar até ela, subimos uma imponente escadaria para então descermos novamente uma rampa que nos leva à entrada. Essa travessia obrigatória garante movimento ao espaço público, embora não seja o suficiente para trazer vida ao lugar. Devido à sua escala monumental, a praça parece estar sempre vazia. Quando me recordo deste espaço, o resultado me parece interessante, mas sempre que estou lá...não sei..me causa um estranhamento.
A escadaria está voltada para o Rio Sena. Supostamente, além de passagem ela deveria ser como um grande ambiente contemplativo para se avistar a paisagem parisiense. Isso, infelizmente, não acontece muito.  Sua escala é tão intimidadora e o vento que bate ali é tão forte que não encontramos muitas pessoas desfrutando de nenhum destes espaços públicos fabricados.
A circulação interna é toda organizada em torno da floresta.  Por isso, para se fazer qualquer coisa, é preciso percorrer grandes distâncias. Algo que chega a ser meio inconveniente, ainda mais pra quem precisa ir lá com freqüência para as suas pesquisas.  Todo o processo de pedir um livro do acervo, por exemplo, se torna mais demorado.  Você chega a esperar uma hora para que ele saia da torre e chegue até a sua sala. 


Mas o projeto tem os seus méritos.  Os detalhes são muito bonitos.  Os encontros e sobreposições dos materiais são muito bem feitos – as chapas metálicas, com as ripas de madeira e a estrutura em concreto. 
E eu ainda desfrutei de uma grande vantagem.  Tive a oportunidade de descer ao “rez-de-chaussé” - o  térreo do edifício - onde se encontram as salas para pesquisa avançada.  Fiz uma entrevista com os bibliotecários e pude acessá-lo.  É magnífico! Para mim, esse é o ponto áureo do projeto.  A altura é majestosa.  Você se sente entrando num antro do saber.  As entradas de luz zenitais nos dão uma impressão de ascender rumo a um conhecimento superior.  É uma pena esse segmento ser restrito à maior parte dos visitantes. Por outro lado, talvez seja isso que o dê esse gostinho tão especial.  Um segredo magnífico compartilhado somente pelos pesquisadores.


Acho que esse projeto está longe de ser perfeito.  Tampouco considero essa a biblioteca mais interessante que já vi.  Compartilho algumas das críticas e alguns dos elogios ao projeto.  Particularmente, ainda não decidi se gosto ou não dele.  Mas, sem dúvida, acho que o projeto que levanta questões interessantes.  Gosto como o grande 'objeto' do projeto é o vazio entre as torres.  Certamente há falhas no funcionamento, mas também, se não questionarmos as regras, nunca fugimos do óbvio.

1 de agosto de 2011

SOUTO MOURA e a arquitetura portuguesa

Tive a oportunidade de voltar a Lisboa.  Conheci a Casa de história da Paula Rego, um novo museu de Eduardo Souto Moura, em Cascais. Acho a arquitetura portuguesa tão sensível e contundente. Ela me parece de poucas palavras. Não faz uso de grandes conceitos filosóficos em seu discurso, como percebo muito aqui na França, por exemplo.  Ela não se apóia em grandes imagens para enaltecer o produto final.  Ela é simples, porém rigorosa no seu desenho.  Já tinha percebido isso na temporada em que estive estudando por lá.  Eles tem uma verdadeira preocupação com a qualidade dos espaços e uma completa compreensão de todo o funcionamento do edifício.  Nada é gratuito e cada detalhe faz sentido no conjunto, desde a estrutura ao detalhe da maçaneta.
Lembro de uma conversa que tive com um amigo belga enquanto estudava lá.  Ele criticava essa arquitetura por considerá-la congelada no tempo.  Como se ela não tivesse evoluído além do moderno.  Concordo que as premissas básicas da arquiteutra portuguesa ainda sejam muito baseadas no moderno, mas ela está longe de ser retrógrada, ou mesmo óbvia.  Ela nos surprende nos seus percursos, o rompimento com os eixos, os emolduradamentos da paisagem, a relação entre o dentro e fora - e isso é muito forte no novo projeto do Souto Moura.



Há um momento na exposição em que de repente temos um canto com o pé direito rebaixado, em que muda o eixo de do percurso, apenas para contemplar o jardim externo.  O projeto pensa em cada ângulo, cada ponto de vista do observador.  É extremamente humano e singelo.























Todas os vãos de passagens estão nos cantos da sala, integrando-se com as paredes.  Não são buracos que parecem ter sido encaixados, mas vazios que fazem parte dos planos desde o momento de sua concepção.


A forma deste edifício é extremamente dramática.  Primeiro de tudo pelo uso do tom avermelhado, tão forte e feminino.  Sinto que na fachada podemos perceber logo essa essência tão íntima da pintora.  Quase um olhar para dentro da alma feminina. 
Apesar de uma delicadeza latente, as formas são também fortes e pesadas, quase ameaçadoras. Espelha um pouco da dura história de vida de Paula Rego e dos seus traumas do passado, que se fazem tão presente em sua obra. E o Souto Moura teve essa visão.
Tamanho é o seu respeito pelo existente, que o prédio foi concebido se adaptando à locação das árvores.  Durante a construção, elas foram removidas sem a sua aprovação.  Seu desespero foi tanto, que ele exigiu que elas voltassem depois todas para o mesmo lugar.
Além disso, o centro cria duas grandes chaminés, que fazem referência ao Palácio de Sintra(foto abaixo).  Uma arquitetura contemporânea que cria uma relação com a tradição e a história.















E essa atitude projetual está clara em todas as suas obras.
Estive numa conferencia do Souto Moura aqui em Paris recentemente, onde ele defendia essas mesmas ideias.  Uma abordagem enraizada no contexto e na problemática que o programa exige.  Uma preocupação com as entradas de luz e na hierarquia dos espaços.  Basicamente, é um conhecimento sobre o espaço na sua forma mais pura.  Nosso olhar não é desviado por formas espetaculares.  Elas não estão aqui para nos distrair.  Nossa atenção é focada no espaço e, por isso mesmo, ele chega a ser extremamente impactante.