28 de fevereiro de 2014

Biblioteket de Asplund | Estocolmo, Suécia


Uma das visitas mais esperadas nesta minha ida a Estocolmo: a Biblioteca de Asplund. Lembro-me de estudar este projeto no quarto período da faculdade - o semestre em que tivemos que projetar uma biblioteca. Busquei inspiração neste projeto pois fascinava-me a ideia de ter o acervo de livros todo exposto aos visitantes, algo que nem sempre acontece nas bibliotecas. Aqui, o visitante é completamente rodeado pelos livros, de modo semelhante ao que acontece no Real Gabinete de Leitura Portuguesa, no Rio de Janeiro.

Real Gabinete de Leitura Portuguesa, no Rio de Janeiro. Foto: www.blogsemdestino.com

Ao avistar o objeto na paisagem, a primeira característica que sobressai é o seu tom alaranjado. A sobriedade de sua composição geométrica, suas formas puras e sua proporção são contrastadas pelo laranja vibrante que reveste todo o objeto. Sua predominância na silhueta da cidade é salientada pela sua escala e pelo fato do objeto estar elevado sobre um grande patamar. O acesso à biblioteca é realizado através de uma grande rampa que emoldura o percurso de entrada.




Inscrição do nome do arquiteto em sua obra edificada – algo que veio tornar-se obrigatório recentemente no Rio de janeiro através do Decreto Nº 38314 de 20 de Fevereiro de 2014.


O pórtico e as fachadas do edifício trazem influências egípcias no desenho dos seus ornamentos. Tais elementos atribuem dramaticidade e textura a uma fachada de linhas retas que, sem algum tratamento que a humanize, corre o risco de ser monótona e desinteressante.



O tom alaranjado é preservado no interior. O tom da madeira do mobiliário e o marrom da paginação de piso puxam para a cor laranja, estabelecendo uma coerência com o tratamento de fachada. É interessante perceber também que a paginação de piso no centro da rotunda replica o desenho da planta geral do edifício: círculos inscritos num quadrado representam a rotunda e o embasamento. Em outras palavras, o mesmo conceito prevalece através das diferentes escalas do edifício, seja no desenho da fachada, na implantação do edifício ou no detalhe do guarda corpo.




O livro é o grande protagonista do espaço. Ele assume o primeiro plano, dando vida ao ambiente. De fato, o espaço se adapta em função do mesmo. Ao mesmo tempo em que as estantes organizadas 360° a nossa volta nos apequenam, quando nos aproximamos delas, elas adquirem a proporção do corpo humano. A escala majestosa, amplificada pela planta circular, se adequam ao nosso tamanho através das passarelas, de suas escadas e corredores.  Estes caminhos nos levam às estantes onde todos os livros estão ao nosso alcance - não é necessário subir numa escada ou em um banco para alcançar o volume desejado.

Aos meus olhos, a grande beleza desse projeto jaz exatamente nessa relação que aqui conseguimos ter com os livros. Desfrutamos de uma completa liberdade para andar entre as estantes, folhear os livros, sentar no chão... Achei que fossem chamar a minha atenção por estar fotografando dentro da biblioteca mas isso em momento algum aconteceu. Eventualmente percebi que, contanto que você não roube livros ou incomode os demais, você está livre para desfrutar do espaço. Enquanto inúmeras outras bibliotecas possuem atmosferas austeras, controladas e labirínticas, a sensação que impera aqui é de leveza. Você se sente tranquilo para demorar o tempo que for e desfrutar do espaço. Sem dúvida, o desenho agregador de Asplund contribuiu para esta ocupação democrática do espaço.





22 de fevereiro de 2014

Crônica sobre o fechamento de um Cinema



Nesta última semana, meu facebook foi bombardeado por artigos falando sobre a falência do grupo Estação de Cinema, no Rio de Janeiro. Fiquei muito triste com a notícia. O Grupo Estação é um marco para o Cinema Carioca. Com sua programação mais aberta e alternativa, aqui encontramos filmes estrangeiros interessantes, documentários, mostras e palestras temáticas que em outros cinemas de grande público jamais encontraríamos.  Sentirei saudades dos eventos do ‘Estação Odeon’, que misturam cinema e festa, tais como o Cachaça Cinema Clube ou a Maratona. Grande parte da mostra do Festival de Cinema do Rio também é projetada nas salas do Grupo Estação. Durante as semanas do evento, eu tento ir ao cinema quase todos os dias. Só no ano passado, assisti a 5 filmes numa mesma semana – uma verdadeira maratona cinematográfica. Fico me perguntando portanto: E agora? Onde irei assistir aos filmes que gosto?

Essa situação me lembrou o fenômeno que se alastrou por Lisboa nesses últimos anos de crise. Cinemas que eu muito frequentei durante a minha estadia na cidade – entre eles o tradicional Cinema King e o Cinema Londres – foram fechados. Pelo o que li, o Cinema Londres será transformado em uma loja de produtos chineses. Triste. Cogitou-se até fechar a Cinemateca Portuguesa. Logo a Cinemateca, vejam só! O lugar onde podíamos assistir a grandes clássicos por apenas 2 euros. Foi lá que conheci o cinema de Wim Wenders através do filme “Paris, Texas”, e foi lá em que tive a oportunidade de assistir “Psicose”, de Hitchcock, pela primeira vez na telona. Uma experiência maravilhosa! Sem contar com as ‘Sessões de Arquitetura e Cinema’ e, entre elas, a inesquecível palestra do diretor Manuel de Oliveira, promovida pelo meu então professor de projeto, José Neves.  Chegou a ser feita uma petição em defesa da Cinemateca, amplamente divulgada na internet.

Parece que nesses momentos de crise, os melhores lugares são os primeiros a fechar. Como aconteceu com a Modern Sound de Copacabana – o último reduto dos amantes de música e compradores de CDs. Mas a cidade segue em frente, e eventualmente nos adaptamos à sua ausência – É incrível e terrível a capacidade de adaptação do ser humano. Se assim for, o que nos restará é esperar que, quem sabe, algum dia surja um novo grupo para tomar o lugar do que não foi em frente e abrir um novo espaço para o cinema alternativo no rio e a para a formação do cinema carioca. Mas enquanto o veredito não sai(previsto para o dia 3 de Abril), ficamos na torcida e na mobilização em nome da permanência do Grupo Estação.

Foto do antigo Cinema King, em Lisboa (foto: http://diariodigital.sapo.pt/)
Entrada do antigo Cinema Londres (foto: http://cinemasparaiso.blogspot.com.br)


06 de Junho de 2014

Foi anunciado hoje o fechamento de mais um cinema de rua tradicional no Rio de Janeiro - o Cinema Leblon, da rede Severiano Ribeiro. Novamente,  a causa foi atribuída a uma crise financeira.  Inaugurado em 29 de Setembro, de 1951, o Cinema Leblon tornou-se um marco na paisagem carioca e deixará saudades.  Diante de mais essa notícia questiono-me: seria o cinema de rua um programa ultrapassado, ou inadequado, para as grandes urbes contemporâneas?


Imagens históricas do Cinema Leblon(fonte: rioquemoranomar.blogspot.com.br)

2 de fevereiro de 2014

Kulturhuset | O Beaubourg de Estocolmo


Kulturhuset em Estocolmo, Suécia.
Tradução do Sueco: Kultur – Cultura / Huset - Casa

Au première regard...

À primeira vista, o ‘Kulturhuset’ me lembrou o Centro Georges Pompidou, o Beaubourg de Paris. Foi instintivo e não soube bem justificar o porquê dessa impressão visto que formalmente são construções completamente distintas. No entanto, a medida que fui conhecendo melhor o projeto, percebi que a minha impressão inicial não estava tão equivocada.  Achei interessante portanto traçar um paralelo entre as duas obras.

Imagem da praça em frente ao Centro Cultural Georges Pompidou, Paris.
Os projetos são contemporâneos. O Kulturhuset foi inaugurado em 1974, apenas 3 anos antes da inauguração do Beaubourg, e é assinado pelo arquiteto sueco Peter Celsing enquanto o Pompidou é uma parceria do italiano Renzo Piano com o inglês Richard Rogers.

O kulturhuset fica bem no centro de Estocolmo, em Sergels Torg, em frente à saída de uma das principais estações de metro/trem da cidade. Essa região de cruzamento de vias e de fluxo intenso é muito semelhante àquela que averiguamos em Les Halles, bairro onde se encontra o Beaubourg. Essa proximidade com os grandes eixos viários da cidade exerce uma forte influência em ambos os projetos. 

O fluxo se torna o núcleo estruturador do edifício, organizando os ambientes escalonados ao longo do seu eixo. A diferença é que no Beaubourg as escadas rolantes são locadas no exterior, compondo o desenho da fachada, enquanto no Kulturhuset elas estão no cerne do edifício, bem protegidas do frio.


Escada Rolante na Fachada do Centro Georges Pompidou
Kulturhuset - Escada Rolante no interior compõe o eixo central do edifício
 

A Suécia é muito fria para verificarmos uma ampla vivência dos espaços públicos abertos. No início do outono, a temperatura já chega a 0 grau à noite e fica em torno de 10 graus durante o dia. Como se trata de uma edificação pública coletiva, o kulturhuset assume então a função da praça pública. Encontrei lá pessoas jogando xadrez, lendo o jornal, tomando um café, apreciando a vista, todas atividades que poderiam ser desenvolvidas numa praça, sendo que aqui elas estavam protegidas do frio.


Espaços comuns do Kulturhuset
As exposições e os espetáculos são todos pagos, porém o acesso ao edifício é gratuito e não há restrições para a utilização dos espaços comuns.  Há uma grande midiateca que fica aberta também. Um espaço público permeado de cultura incentiva a leitura e o ensino além de oferecer um espaço para o descanso, qualidades que também verificamos no Centro Pompidou.

Conceitos Arquitetônicos

Centro Georges Pompidou - Os dutos das instalações são trazidos para a fachada, caracterizando a morfologia do museu.
Janelas em Fita, estrutura de concreto aparente e traços retos - um edifício tipo do movimento moderno.

Em termos morfológicos, os edifícios são antagônicos. O Pompidou emerge como um ícone do movimento pós-moderno 'high tech', enquanto o Kulturhuset preserva traços fortemente modernos (estrutura de concreto aparente, janelas em fita, formas puras e linhas retas). Contudo, como equipamento urbano, ambos desempenham papeis semelhantes - os objetos se impõem como articuladores do espaço urbano. Além da previamente assinalada conexão com o anel viário, a implantação afastada do entorno permite a criação de uma praça em frente ao edifício. Esse gesto possibilita avistar o objeto a distância, além de gerar um espaço congregador a céu aberto.

Praça em frente ao Beaubourg, em Paris.

Praça rebaixada em frente ao Kulturhuset, nivelada de acordo com a estação de trem. O acesso à estação é feito sob a galeria do lado esquerdo da foto.
Praça pública permite a realização de inúmeros eventos tais como campeonato de snowboard.